CCJ aprova projeto de lei para uso de arbitragem na solução de disputas em condomínio
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados propõe uma
mudança no Código Civil e na Lei de Arbitragem para permitir o uso do
procedimento na resolução de disputas entre vizinhos. Isso já é possível por
conta de uma decisão recente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
mas os deputados querem inserir a previsão em lei para valer em todo o país. O
precedente do STJ não é vinculante.
Especialistas na área dizem que a própria Lei de Arbitragem, a nº 9.307/1996,
no seu artigo 1º permite a prática. O dispositivo diz que o método pode ser
usado “para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Assim,
questões sobre condomínio estariam incluídas.
O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) desaprova a iniciativa por entender
ser desnecessária. Segundo a entidade, existem 151 PLs sobre o assunto em
trâmite na Câmara, mas nenhum que, de fato, melhore o instituto. Já outros
advogados entendem que incluir o novo dispositivo pode garantir mais
segurança jurídica.
Pelo texto, as convenções de condomínio podem ter cláusula compromissória,
previsão que permite a resolução de litígios por arbitragem. Por ser
compromissória, é obrigatória a aplicação a todos os condôminos (moradores
e proprietários).
Apesar de, no fundamento, o intuito seja o de favorecer a desjudicialização e
acelerar a resolução de disputas, críticos ao projeto entendem que a arbitragem
pode não ser o melhor caminho. Para discussões maiores, como uso do
apartamento para aluguel de temporada ou assuntos mais específicos, pode
fazer sentido, pois pode ser mais rápido e menos custoso.
Mas para casos menores, que hoje podem ser levados à Justiça gratuita nos
Juizados Especiais Cíveis, obrigar o morador a resolver a questão por
arbitragem termina sendo mais caro. O texto foi aprovado na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados neste mês. Ele
segue para análise do Senado Federal.
O autor do projeto, o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), disse, ao
Valor, que a ideia da proposta surgiu da constatação de que o Judiciário está
sobrecarregado e lento e que as relações condominiais se tornaram cada vez
mais complexas, com conflitos inevitáveis. “Isso reduz custos, evita litígios
intermináveis e traz segurança jurídica. É uma medida simples, mas que pode
melhorar muito a vida das pessoas no dia a dia”.
Ele ressalta que o PL não obriga o uso de arbitragem, pois fica a cargo do
condomínio inserir na convenção. De acordo com o Código Civil, é preciso
dois terços da assembleia para aprovar uma mudança no estatuto. “Dizem
que o juizado especial é de graça, mas o Estado está pagando, então não é
gratuito. E se houver recurso, há custos também”, diz.
O deputado defende ainda que a arbitragem nem sempre é cara, pois qualquer
pessoa pode ser árbitro, não precisa ser advogado. “Hoje temos câmaras de
arbitragem muito caras, sim, compostas por ex-ministros e juristas renomados.
Mas nada impede que surjam câmaras específicas, muito mais acessíveis e
focadas em conflitos condominiais, ou que se escolha um árbitro gratuito”,
completa.
Segundo a advogada Samantha Longo, sócia do Longo, Abelha Arouca e Pires
Advogados, o projeto segue a tendência do Legislativo de querer desjudicializar
algumas questões. “Vai valorizar uma disputa que hoje acontece praticamente
toda no Judiciário”, diz. Recentemente, também foram aprovados projetos na
Câmara para permitir o despejo extrajudicial e a mediação internacional entre
empresas.
Para ela, não necessariamente é preciso fazer uma lei sobre o assunto. “Mas
como é uma questão controvertida, traz segurança”.
Samantha lembra que houve muita discussão sobre a existência de cláusulas
compromissórias em estatutos de sociedades anônimas, se seria aplicável
também para acionistas que adquiriram cotas após a norma ser aprovada em
assembleia. A questão foi resolvida com uma mudança legislativa, inserindo o
artigo 136-A.
Isso levanta o mesmo questionamento para as convenções de condomínio.
“Alguns condôminos entraram com ação dizendo que compraram o
apartamento depois que a cláusula já estava na convenção e que não aderiram
expressamente”, afirma.
A discussão chegou ao STJ, que entendeu que mesmo os moradores que entrem
depois de inserida a cláusula compromissória estariam submetidas a ela. “No
caso das sociedades anônimas, o acionista pode vender as cotas e sair, mas os
condôminos teriam de vender o apartamento para se desvincular da
convenção”, diz Samantha, acrescentando que não é uma operação fácil (REsp
1733370).
Para Débora Visconte, presidente do CBAr e sócia do Visconte Advogados, a
Lei e Arbitragem não precisa ser alterada. “A nossa posição é sempre de mexer
o mínimo possível porque se ficar alterando toda hora traz insegurança jurídica
para o mercado”, adiciona.
Na visão de Débora, ainda há um desconhecimento da sociedade sobre
arbitragem. “Pessoalmente, tenho dúvidas se a sociedade está preparada para
sair da tutela do Judiciário e ir para a tutela arbitral em questões relacionadas a
convenção de condomínio. O desconhecimento da arbitragem gera mais ação
judicial do que o contrário”, afirma.
Débora também pondera que não existem hoje no mercado câmaras arbitrais
suficientes para “middle market”. A possibilidade, diz Samantha Longo, é a
criação de câmaras tanto de mediação quanto de arbitragem específicas para
alguns condomínios, expandindo essa área de atuação.